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sábado, 31 de julho de 2010

Qual o perfil de quem almeja ser psicoterapeuta?

O psicanalista Contardo Calligaris em seu livro Cartas a um Jovem Terapeuta  apresenta alguns traços de caráter que ele gostaria de encontrar em quem quisesse se tornar psicoterapeuta, vejamos:

1. Um gosto pronunciado pela palavra e pelas pessoas, por mais diferentes que sejam de você.  Aqui o autor sugere visitas a hospitais psiquiátricos e a pacientes terminais e assume sua simpatia pelas “sarjetas da vida”, propondo inclusive um teste que consiste em conversar com desassistidos, a exemplo dos moradores de rua, deixando-os falar, ouvindo o que só quem escuta são os psicoterapeutas dos Centros de Atenção Psicossocial.

2. Uma extrema curiosidade pela variedade da experiência humana com o mínimo possível de preconceito. Calligaris nos alerta quanto ao fato de que, embora não seja a preocupação moral estrangeira ao trabalho do psicoterapeuta, o bem e o mal de uma vida não se decidem a partir de princípios preestabelecidos para um psicoterapeuta; se decidem na complexidade da própria vida que se trata.

3. Este ponto é controvertido: além de uma grande e indulgente curiosidade pela variedade da experiência humana, o futuro terapeuta deve ter, nessa variedade, uma certa "quilometragem rodada". Aqui, o autor chama nossa atenção para o fato de que o psicoterapeuta não precisa ser um modelo de normalidade, o que traz grande alívio a todos nós, estudantes de Psicologia e aspirantes à profissão de psicoterapeuta.

4. O quarto e último traço é uma boa dose de sofrimento psíquico. O autor desaconselha a profissão a quem está “muito bem, obrigada” por duas razões. Primeiro, porque o terapeuta precisará ser paciente, se submeter à terapia durante um bom tempo. Em segundo lugar, o autor não consegue conceber um futuro psicoterapeuta sem uma boa dose de sofrimento psíquico porque é preciso que o psicoterapeuta tenha vivenciado a sua própria história de melhora e superação na sua própria terapia para acreditar na eficácia da psicoterapia quando se deparar, por exemplo, com pacientes que não melhoram.

O livro se desenrola narrando respostas de Calligares a cartas/bilhetes de um jovem terapeuta e no Bilhete Quatro, surge a seguinte questão: “Será que não deveríamos acrescentar, entre os traços de caráter esperados num terapeuta, uma vontade de mexer com a vida dos outros, de ensiná-los, influenciá-los?”

Calligaris afirma que um terapeuta não deve ter grandes vocações pedagógicas e esclarece que o terapeuta precisa respeitar o desejo do paciente. Essa é, aliás, uma das razões pelas quais a terapia demora. É preciso que o terapeuta identifique os desejos do paciente para poder empurrá-lo naquela direção.

Mas e o primeiro paciente?

Calligaris nos relata sua insegurança diante de seu primeiro paciente. Narra que tentou camuflar de todas as formas o fato de que aquele era seu primeiro atendimento. Cuidou até de desarrumar o acolchoado do divã, colocar baganas de cigarro no cinzeiro (na época a França inteira fumava), no intuito de mostrar que ali já havia atendido outros pacientes. Esse primeiro paciente realizou sua análise com o autor por sete anos. Tratava-se de um jovem psiquiatra, que se tornou analista.

Anos mais tarde, Calligaris reencontra seu antigo paciente num congresso e este pergunta: “eu fui seu primeiro paciente, não fui”? Diante da mudez do autor, o paciente continuou explicando que havia solicitado à pessoa que o encaminhou um terapeuta iniciante.

Ao final do capítulo, o autor enumera alguns ensinamentos:

1. Nem sempre é verdade que os pacientes preferem terapeutas experientes;

2. Como os caminhos pelos quais um paciente coloca sua confiança num terapeuta são muitos, se não são inúmeros, o mais simples talvez seja que nos contentemos em ser nós mesmos (não é preciso desarrumar colchas e deixar baganas nos cinzeiros);

3. A experiência certamente ajuda na conduta das curas, mas seria bom que guardássemos sempre alguns elementos do espírito do debutante: a curiosidade, a vontade de escutar e, por que não, o calor de quem, a cada vez, acha extraordinário que alguém lhe faça confiança.


Direitos autorais reservados.

KARINA ALECRIM BESSA


4 comentários:

Juliana Cohen disse...

Adorei a matéria... aguardo ansiosamente pelo meu primeiro paciente.. :P

Karina Alecrim Bessa disse...

Obrigada, Ju!
Fico muito feliz que tenha gostado. :)
Bjs.

Unknown disse...

oi amiga que bacana q ficou seu blog!!! parabéns! e sobre nosso caminho como terapeuta...acredito que vamos ter que "suspender nosso mundo" para com isso enxergar o outro na sua melhor essência. uma tarefa que será o nosso cotidiano...beijão!!!

Evelyne Furtado. disse...

Também sou formada em direito, escrevo e sou apaixonada por psicologia. Estou no terceiro ano e a poucos anos de me aposentando no serviço público, mas louca para "estagiar" na clínica. Parabéns pelo blog.