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sábado, 31 de julho de 2010

Envelhecimento e Cognição

Desde o nascimento, a vida se desenrola em etapas distintas. Cada uma com características próprias. O desenvolvimento, segundo Erik Erikson, um psicanalista nascido na Alemanha em 1902 e falecido nos Estados Unidos aos noventa e dois anos de idade, avança em estágios (oito ao todo). Os primeiros cinco estágios ocorrem durante o período de bebê e da infância, e os últimos durante os anos adultos e a velhice. A mais recente síntese de Erikson sobre os estágios foi apresentada em O ciclo de Vida Completo (1995). Erikson, diferentemente de Freud, descreve os estágios em psicossociais e não psicossexuais (HALL, Calvin S., LINDZEY, Gardner & CAMPBELL, John, 2008).

A velhice constitui o último estágio da vida humana e nos termos de Erikson corresponde ao oitavo estágio, um estado que a pessoa atinge depois de ter cuidado de coisas e pessoas, produtos e ideias e de ter-se adaptado aos sucessos e fracassos da existência. Por meio dessas realizações, os indivíduos podem colher os benefícios dos primeiros sete estágios da vida e perceber que sua vida teve certa ordem e significado dentro de uma ordem maior. Esse seria o chamado estado de integridade na velhice. A contraparte essencial da integridade seria o desespero, o vazio da existência diante da morte. A virtude resultante do encontro da integridade e do desespero seria a sabedoria. Assim, quando o envelhecimento ocorre com sentimento de satisfação e valorização do que foi vivido, quando não há arrependimentos e lamentações sobre possibilidades perdidas ou desacertos inevitáveis haverá integridade e ganhos; ao contrário, um sentimento de vazio de tempo desperdiçado e a impossibilidade de recomeçar gera tristeza e desespero (HALL, Calvin S. , LINDZEY, Gardner & CAMPBELL, John, 2008).

A Organização Mundial de Saúde (OMS) classifica o envelhecimento em quatro estágios: meia idade (de 45 a 59 anos); idoso (de 60 a 74 anos); ancião (de 75 a 90 anos) e a velhice extrema (acima de 90 anos). Há ainda uma diferença de idade no início da velhice para países desenvolvidos e em desenvolvimento. A definição de idoso se inicia aos 65 anos de idade nos países desenvolvidos, e aos 60 anos nos países em desenvolvimento. No Brasil, de acordo com o Estatuto do Idoso, as pessoas com idade igual ou superior a 60 anos são reconhecidas como idosas. (Organização Mundial de Saúde – OMS, www.who.org).

Numa visão biológica, nos termos de HAMILTON (2002), o envelhecimento é o estágio final do desenvolvimento, que todo indivíduo sadio e que não sofreu acidentes vai atingir. Nesse período, ocorrem inúmeras mudanças corporais e um espectro notável é a perda de células, que, vale frisar, não se inicia na velhice e sim na idade adulta.

Numa visão cognitivista, o envelhecimento, assim como as demais etapas da vida, é um processo de transformação do organismo que se reflete nas suas estruturas físicas, nas manifestações da cognição, bem como na percepção subjetiva dessas transformações. Se envelhecer é mudar, tais mudanças, entre elas as cognitivas, precisam dirigir-se para uma melhor qualidade de vida (PARENTE, Maria Alice de Mattos, 2006).

As colocações retro nos remetem ao fato de que o envelhecer provoca inevitáveis mudanças, de natureza física, psicológica, cognitiva e neurológica. Quanto à mudança neuronal, HAMILTON (2002) nos traz que os pesquisadores concordam que o cérebro diminui de peso em 10% a 15% no curso do envelhecimento normal, o que repercute no funcionamento psicológico, principalmente porque os neurônios do SNC provavelmente não são substituídos, embora existam estudos científicos tentando provar o contrário.

O mesmo autor traz a lume que as razões dessa perda neuronal ainda não são claras e podem decorrer de inúmeras razões, variando de pessoa para pessoa. Uma possível causa pode ser o baixo fluxo de sangue no cérebro, o que levaria os neurônios a morrerem por falta de oxigênio. Outra explicação é o fato de que muitas pessoas em idade mais madura sofrem pequenos derrames ou infartos, através dos quais uma minúscula porção do cérebro se atrofia devido ao desaparecimento do suprimento sanguíneo local. Uma terceira explicação é que o suprimento sanguíneo do cérebro, quando operando eficientemente, filtra possíveis toxinas do sangue, antes que cheguem ao cérebro, por um mecanismo chamado barreira hematoencefálica e quando o envelhecimento causa declínio desse mecanismo, o cérebro estará exposto a toxinas potencialmente danosas. Geralmente, esses declínios no metabolismo e problemas cardiovasculares significam que, mesmo não havendo morte de neurônios, eles recebem menos oxigênio e glicose sanguínea e não conseguem operar tão eficientemente. Entretanto, as principais causas de declínio celular são as mudanças que ocorrem na fisiologia do próprio neurônio. Há controvérsias sobre se as células neurais morrem ou sobrevivem, mas não quanto ao fato de que elas diminuem de tamanho. Está documentado que, em muitas seções do cérebro, os neurônios encolhem na velhice e que diminui o número de conexões neurais.

Vale ressaltar, contudo, como bem expõe GEDIMAN (2005), que o cérebro é um órgão dinâmico, capaz de refazer conexões e se adaptar mesmo na velhice. O mesmo autor nos apresenta dados promissores no sentido de que o cérebro quando estimulado é capaz de criar reservas cognitivas e estimular os processos regenerativos.

O autor antes citado ainda coloca que recentemente os cientistas mapearam o genoma humano, clonaram ovelhas e até a superfície de Marte foi explorada. Em contraste, estão apenas começando a compreender os processos ligados ao envelhecimento do cérebro. Importante frisar, entretanto, que numerosos fatores estão confluindo no sentido de estimular a neurociência, dentre os quais o fato de que as pessoas estão vivendo mais, o que leva os profissionais a um número maior de cérebros em idade avançada para estudar e proteger.

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (www.ibge.gov.br), mostram que a vida média do brasileiro chegará ao patamar de 81 anos em 2050. Os avanços da medicina e as melhorias nas condições gerais de vida da população repercutem no sentido de elevar a média de vida do brasileiro (expectativa de vida ao nascer) de 45,5 anos de idade, em 1940, para 72,7 anos, em 2008, ou seja, mais 27,2 anos de vida. Segundo a projeção do IBGE, o país continuará galgando anos na vida média de sua população, alcançando em 2050 o patamar de 81,29 anos.

Não é somente no Brasil que se percebe esse processo de envelhecimento da população. Este acontece mundialmente e tem consequências diretas no sistema de saúde pública.

Diante do envelhecimento da população, os pesquisadores sentem-se instigados a investigar cada vez mais o cérebro humano. As alterações do sistema cognitivo que ocorrem quando a pessoa envelhece tem sido o foco dos psicólogos cognitivistas interessados no fenômeno do envelhecimento. Na maioria das vezes, como elucida PARENTE (2006), essa questão torna-se mais específica e focaliza uma ou várias funções. Entretanto, alguns pesquisadores procuram uma explicação mais abrangente sobre o envelhecimento. Eles buscam um fator responsável pelos declínios em algumas funções e não em outras.

Pesquisas avançam no sentido de identificar indivíduos com potencial de risco de desenvolver demência, pois o diagnóstico precoce das demências possibilita uma intervenção terapêutica precoce, podendo ser fundamental no prolongamento da autonomia do sujeito, bem como no retardo do processo demencial.

Envelhecer de maneira saudável é o que todos almejamos. A velhice pode ser normal, patológica e bem sucedida. Vejamos:

A velhice normal está em contraponto à velhice patológica. Nesta ocorrem doenças físicas e/ou mentais em grau muito mais intenso e grave do que na primeira, onde os adoecimentos ocorrem em intensidade leve ou moderada o suficiente para acarretar apenas mudanças parciais nas atividades cotidianas (PARENTE, Maria Alice de Mattos, 2006, p. 19).

A velhice bem sucedida revela-se em idosos que mantém autonomia, independência e envolvimento ativo com a vida pessoal, com a família, com os amigos, com o lazer, com a vida social. Revela-se em produtividade e em conservação de papéis sociais adultos. Traduz-se em auto-descrições de satisfação e de ajustamento. Reflete-se também em reconhecimento social às pessoas porque lhes permite oferecer contribuições à sociedade ou ao grupo familiar, proporcionando que sejam vistas como modelos de velhice boa e saudável. O número de pessoas capazes de atingir esse padrão é muito pequeno, pois além da genética, o estilo de vida e as condições socioeconômicas e culturais podem impor restrições ao alcance de tal resultado. No entanto, sua existência é útil para balizar as aspirações individuais e sociais e para sinalizar que velhice pode ser um período de desenvolvimento (YASSUDA, Mônica, 2005).

A velhice patológica ocorre quando se verificam impedimentos à funcionalidade, aumento da vulnerabilidade, comprometimento na possibilidade de adaptação e grandes perdas cognitivas. Decorre da interação entre causas genéticas e ambientais (YASSUDA, Mônica, 2005).

O termo cognição tem sido muito utilizado nos últimos tempos. Mas o que se entende por cognição? Cogniçãoa, nos termos de RAMOS (2005), constitui as várias dimensões da função intelectual, como memória, atenção, julgamento, abstração, orientação, linguagem, função executiva (solucionar problemas), praxia (executar gestos em uma sequência adequada) e gnosia (habilidade de reconhecer objetos e pessoas).

O autor supramencionado ainda nos traz que em virtude do crescimento da população idosa ocorre um aumento da prevalência dos quadros demenciais, principalmente em virtude da doença de Alzheimer, que é uma doença que ocorre na velhice. Nos termos do DSM-IV-TR (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders - Fourth Edition – American Psychiatric Association), estima-se se que dois a quatro por cento da população com mais de 65 anos apresentem Demência do Tipo Alzheimer. A prevalência aumenta com a idade, particularmente após os 75 anos.

Quanto ao curso da Demência do Tipo Alzheimer, ainda conforme o DSM-IV-TR, tende a ser lentamente progressivo, com uma perda anual de três a quatro pontos em um instrumento padronizado de avaliação, como o Mini-Exame do Estado Mental. Vários padrões deficitários são vistos, sendo um dos mais comuns o início insidioso, com déficits precoces na memória recente seguidos pelo desenvolvimento de afasia, apraxia e agnosia após vários anos. Alguns indivíduos podem apresentar alterações da personalidade ou maior irritabilidade nos primeiros estágios. Nos estágios posteriores da doença, os indivíduos podem desenvolver perturbações motoras e da marcha, podendo por fim ficar mudos e confinados ao leito. A duração média da doença a partir do início dos sintomas até a morte é de 8-10 anos.

Envelhecer com qualidade de vida, atingindo uma velhice bem sucedida é o que todos desejam. Alcançar esse intuito, contudo, depende de uma conjunção de fatores, físicos, genéticos, psicológicos, cognitivos e sociais. Vale colocar, que é possível trabalhar para alcançar uma velhice bem sucedida, conforme bem coloca YASSUDA (2005) e os pesquisadores são unânimes em afirmar que para tanto é preciso ter em mente que a palavra chave é prevenção.

Os déficits leves na capacidade cognitiva, nos termos de GEDIMAN (2005) decorrem de processos fisiológicos do envelhecimento normal ou podem ser um indício de um estágio de transição para as demências. Estudos epidemiológicos mostram que idosos com perdas na capacidade cognitiva apresentam maior risco de desenvolver Doença de Alzheimer, em particular aqueles com declínios na memória episódica.

A saúde pública atualmente possui um novo desafio, como bem elucida YASSUDA (2005), qual seja o de cuidar da população de idosos que como já demonstrado está aumentando e tende a crescer ainda mais. Vale lembrar que a maioria dessa população no Brasil possui baixo nível sócio-econômico e educacional e uma alta prevalência de doenças crônicas e incapacitantes.

Importante frisar que a Psicologia atualmente tem-se dedicado ao estudo do processo de envelhecimento. O papel do psicólogo é de alta relevância, pois as mudanças, já mencionadas, provocadas pelo advento da velhice provocam inevitavelmente uma certa vulnerabilidade ao sujeito. O papel do psicólogo pode se dar no processo de avaliação cognitiva no intuito de identificar possíveis perdas, bem como na reabilitação cognitiva. A psicoterapia de idosos, familiares e cuidadores, também é função do psicólogo. Como bem elucida YASSUDA (2005).

PARENTE (2006) esclarece que em geral, os indivíduos possuem uma percepção subjetiva do déficit que ocorre em seu funcionamento com o envelhecimento. A primeira função cognitiva onde se percebe uma perda em razão do processo normal de envelhecimento é a memória. As dificuldades de memória na vida adulta, particularmente no envelhecimento, constituem uma questão complexa da qual se interessam não apenas psicólogos, mas também outros profissionais, como neurologistas e neurocientistas.

Na maioria dos casos, o envelhecimento não se acompanha de alterações cognitivas graves. Mas, infelizmente, há situações graves, comumente em decorrência da já mencionada doença de Alzheimer. Entretanto, atualmente, é possível contar com o processo de intervenção cognitiva na prevenção e recuperação de déficits cognitivos leves ou graves, com bem coloca PARENTE (2006). O fundamento da intervenção cognitiva é a capacidade de regeneração do cérebro, a chamada plasticidade cerebral. Esta consiste numa mudança adaptativa na estrutura e nas funções do sistema nervoso, ou seja, um suporte orgânico à recuperação cognitiva.

Ademais, a intervenção cognitiva constitui-se em ferramenta para retardar o processo degenerativo inicial, principalmente quando utilizada em conjunto com terapias medicamentosas. O trabalho de intervenção cognitiva pode ser realizado de maneira individualizada ou em grupo. Ambas são úteis e complementam-se. A terapia individual proporciona direcionar o tratamento conforme a necessidade do paciente, de maneira particular e individualizada. A terapia em grupo proporciona um ganho social, pois o contato entre os pacientes favorece habilidades sociais e comunicativas e quebra a monotonia. Assim, o uso combinado de terapia individual e de grupo seria o ideal para um tratamento mais abrangente.

Entretanto, independentemente da forma de intervenção, YASSUDA (2005) elucida que o paciente deve passar primeiramente pelos processos de avaliação e investigação para diagnóstico, a fim de detectar se há e o quanto há de perdas cognitivas. A autora lista como elementos essenciais da avaliação do paciente com possíveis distúrbios cognitivos: investigação dos problemas atuais; nível de funcionamento cognitivo, por meio de avaliações neuropsicológicas; atividades sociais e ocupacionais; atenção ao uso de medicamentos; exame físico, a cargo do geriatra; exame neurológico, a cargo de um neurologista; exame psíquico, a cargo do psicólogo.

É cediço, como bem lembra RAMOS (2005) que a depressão pode manifestar-se no indivíduo idoso como um quadro de deficiência cognitiva. Os transtornos de ansiedade também afetam a cognição, daí a necessidade de um inventário de medição de depressão e ansiedade.
As baterias neuropsicométricas, como traz a lume YASSUDA (2005), possibilitam ainda verificar a progressão dos quadros demenciais, além de verificar o nível de benefício das intervenções. É importante a reavaliação do idoso que passa pelo processo de recuperação cognitiva no intuito de verificar o grau de melhora obtido, pois por meio dos dados obtidos nas avaliações periódicas é possível analisar as possíveis falhas e utilizar estratégias compensatórias. Não se pode esquecer, entretanto, que os processos demenciais são progressivos e a intervenção cognitiva não fará com que o indivíduo recupere seu funcionamento cognitivo anterior, mas oferecerá melhor qualidade de vida, enquanto impede o avanço do processo e investe no que ainda há preservado.


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KARINA ALECRIM BESSA

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